
A
beleza de cada dia só existe porque não é duradoura. Tudo o que é belo
não pode ser aprisionado, porque aprisionar a beleza é uma forma de
desintegrar a sua essência.
Dizem
que havia uma menina que se maravilhava todas as manhãs com a presença
de um pássaro encantado. Ele pousava em sua janela e a presenteava com
um canto que não durava mais que cinco minutos. A beleza era tão intensa
que o canto a alimentava pelo resto do dia. Certa vez, ela resolveu
armar uma armadilha para o pássaro encantado. Quando ele chegou, ela o
capturou e o deixou preso na gaiola para que pudesse ouvir por mais
tempo o seu canto. O grande problema é que a gaiola o entristeceu, e triste, deixou de cantar.
Foi
então que a menina descobriu que, o canto do pássaro só existia, porque
ele era livre. O encanto estava justamente no fato de não o possuir.
Livre, ele conseguia derramar na janela do quarto, a parcela de encanto
que seria necessário, para que a menina pudesse suportar a vida. O
encanto alivia a existência... Aprisionado, ela o possuia, mas não
recebia dele o que ela considerava ser a sua maior riqueza: o canto! Fico
pensando que nem sempre sabemos recolher só encanto... Por vezes,
insistimos em capturar o encantador, e então o matamos de tristeza. Amar talvez seja isso: ficar ao lado, mas sem possuir. Viver também. Precisamos
descobrir, que há um encanto nosso de cada dia que só poderá ser
descoberto, à medida em que nos empenharmos em não reter a vida. Viver
é exercício de desprendimento. É aventura de deixar que o tempo leve o
que é dele, e que fique só o necessário para continuarmos as novas
descobertas.
Há
uma beleza escondida nas passagens... Vida antiga que se desdobra em
novidades. Coisas velhas que se revestem de frescor. Basta que retiremos
os obstáculos da passagem. Deixar a vida seguir. Não há tristeza que
mereça ser eterna. Nem felicidade. Talvez seja por isso que o verbo
dividir nos ajude tanto no momento em que precisamos entender o
sentimento da tristeza e da alegria. Eles só são suportáveis à medida em
que os dividimos... E enquanto dividimos, eles passam, assim como tudo precisa passar.
Não
se prenda ao acontecimento que agora parece ser definitivo. O tempo
está passando... Uma redenção está sendo nutrida nessa hora... Abra
os olhos. Há encantos escondidos por toda parte. Presta atenção. São
miúdos, mas constantes. Olhe para a janela de sua vida e perceba o
pássaro encantado na sua história. Escute o que ele canta, mas não caia
na tentação de querê-lo o tempo todo só pra você. Ele só é encantado
porque você não o possui.
E
nisto consiste a beleza desse instante: o tempo está passando, mas o
encanto que você pode recolher será o suficiente para esperar até
amanhã, quando o pássaro encantado, quando você menos imaginar, voltar a
pousar na sua janela
Padre Fabio de Melo
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