Ainda bem que fui alertado com algumas horas de antecedência:
“Acredite, é uma das mais estarrecedoras entrevistas da curta e
assombrosa história política de Dilma sobre a face da Terra”, avisou-me
Celso Arnaldo ontem à noite. Claro que acreditei. Nem por isso escapei
dos sobressaltos. A coisa é tão perturbadora que, para permitir ao
leitor recuperar o fôlego e recuperar-se do assombro, a coluna decidiu
publicá-la em dois capítulos. A parte final entra no ar às quatro da
tarde. Apertem os cintos, amigos. Estamos entrando no túnel do espanto:
Faltam 35 dias para as eleições e, a menos que seja asfixiada por um
colar de anacolutos no discurso de posse, a mulher completamente
desarticulada que aparece neste vídeo não é mais a candidata tosca e
folclórica à Presidência, uma sátira à la Zorra Total, mas a mulher que
vai receber, de mão beijada pelo bafo de Lula, um mandato pelo qual os
brasileiros a autorizam a exercitar na prática o conjunto de suas
sapiências, suas expertises, nas diferentes áreas da administração
federal.
O assunto que Dilma Rousseff escolheu para esta “conversa” com a
imprensa é a “assistência integral” à criança. A iniciativa de discorrer
sobre o tema foi portanto dela, o que elimina qualquer atenuante para o
assombroso teor desta entrevista. É crime doloso, é o infanticídio de
um governo natimorto.
Ela chega toda animada, já com ares de presidente e aquele sorriso
falso que põe um dente na calçada e logo se recolhe. E aparentemente
entusiasmada com o que vira na véspera:
– Até porque, eu tive (sic) ontem na Bahia…
Da Bahia trouxe mais um subsídio para incluir no projeto que promete
revolucionar a assistência à criança no Brasil, da barriga da mãe até o
“ensino fundamental, mé….fundamental e médio, ensino básico”, como ela
explicará mais tarde.
“Salta aos olhos uma coisa, né? Porque um país do tamanho do nosso,
com a população de crianças e jovens que nós temos, é um pais que vai tê
de sê medido pela capacidade que tivé de fazê uma política que inclua
as crianças”.
Seja lá o que for isso, soa como um mea culpa: nos oito anos do
governo Lula, os 60 milhões de crianças brasileiras de 0 a 14 anos
formaram um coral de Macaulays Culkins: “Esqueceram de nós, esqueceram
de nós!!!”
Mas como a presidente Dilma pretende “incluir” as crianças em seu governo?
“De uma forma especial. Que construa o cuidado com as crianças desde o
momento da gestação da mãe, passano obviamente pelo parto e chegando
até ao atendimento à criança nos seus primeiros anos de vida, que é um
momento muito especial”.
A presidente Dilma deve ter aprendido esse “construa” com a
ex-companheira Marina, mas aprendeu também que as crianças nascem —
aliás depois da gestação da mãe, e não do pai, como às vezes acontecia
no governo da oposição — e precisam de cuidados desde o momento em que
vêm ao mundo. Ninguém ainda havia pensado nisso.
E o que a presidente Dilma vai fazer, ou já fez, para inventar no
Brasil a assistência materno-infantil, que nem Lula pensou em criar? Ela
explica com autoridade:
“Nós, pra isso, pra essa, pra esse cuidado, construímos a Rede Cegonha”
Olha ela aí gente!! Novidade: a Rede Cegonha já foi “construída” pela presidente Dilma. Para levar o Brasil no bico.
“A Rede Cegonha é um….primeiro, ela tá baseada num ponto de
prevenção, que é o tratamento da mulher quando grávida. O acompanhamento
da gravidez, todos os exames de praxe e também a avaliação do feto e
todo o acompanhamento que isso requer. Será feito através de Clínicas da
Mulher”
Não deu para entender muito bem. Dilma pretende criar isso? O que ela
descreve como “meta de governo”, embora com outro nome, é o beabá da
assistência materno-infantil, disponível em todo o Brasil. Melhorar é
outra história. São Paulo, aliás, tem um programa da mulher quase
modelar, em nível municipal e estadual.
“Depois tem a questão fundamental do parto. Ter maternidade de baixo
risco e alto risco. E, na sequência, no tratamento dos primeiros dias,
meses da criança, é a estrutura de UTIs neonatais, com hospitais de
referência da criança”.
A presidente Dilma acaba de criar, por decreto, a Obstetrícia e a
Pediatria Neonatal no Brasil. Começa bem. Mas o que será oferecido
nesses hospitais de “referência”?
“Cê tem basicamente um atendimento que eles chamam, né, já mais
sofisticado, né, com maior nível de complexidade. Então lá se trata de
problemas que vão desde a questão do coração, né, por exemplo, crianças
que nascem com problemas de coração, passando por todas as doenças que
podem levá a risco de vida do bebê”
Nos hospitais criados por Dilma, doenças serão tratadas, bem como doenças afetivas, a tal “questão do coração”.
Mas, depois de dona Cegonha, é hora de introduzir outra pérola que a
deslumbra: o SAMU, o já consagrado serviço de resgate federal.
Traduzindo: é o serviço, aliás eficientíssimo e valoroso, que vem até
você quando se disca 192. A presidente quer reinventar o SAMU -–
lembram do debate da Band, “aquele serviço que transporta crianças”?
“Junto a isso, nós temos o SAMU. Porque o SAMU tem desempenhado no
Brasil um papel fundamental, que é juntá toda a rede e olhá onde que tem
disponibilidade e onde que a criança, ou o adulto, no caso, deve ser
levado”
A presidente Dilma descobriu recentemente que os motoristas e
atendentes do SAMU só levam seus passageiros a prontos-socorros e
hospitais onde eles possam ser atendidos prontamente, depois da óbvia
checagem pelo rádio, no caminho -– é isso que ela chama de “juntá toda a
rede e olhá onde tem”.
Mas estava na hora de juntar SAMU com cegonha, não? Lógico:
“Para as crianças criamos o SAMU Cegonha”.
Ah, já criou? Posso chamar? A presidente Dilma aciona a sirene:
“O SAMU Cegonha é basicamente para o atendimento da mulher no momento da gravidez”
Ou seja: engravidou, já chama o SAMU Cegonha para lhe dar os parabéns. Mas espere:
“E o SAMU Cegonha da fase já do bebê é o atendimento pra levá a
criança, justamente ou pruma, prum tratamento na UTI neonatal ou prum
hospital de referência de alta complexidade”
Ou seja: o SAMU Cegonha fará exatamente o que já fazem as
ambulâncias. Mas parece claro que, no governo Dilma, a “fase já do bebê”
será coisa de gente grande.
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